domingo, 31 de julho de 2011

Em um festival - Gustavo Samuel


Com a guitarra nas mãos, fazendo os dedos dançarem sobre as cordas e levando toda aquela gente a uma espécie de nirvana punk, ele se sentia poderoso, importante, espetacular. Quando estava em cima de um palco, era feliz.
Fora dali, a vida era um tanto quanto dura. Ralava para conciliar universidade, trabalho, música.  Queria muita coisa, mas se contentava em continuar a ser o que era: feliz. Seu objetivo era chegar ao máximo do seu máximo: ser um músico de sucesso, ter o emprego dos seus sonhos e até mesmo uma família. Queria também, como todo jovem com um mínimo de consciência, lutar por um mundo melhor e por isso queria que quando fosse velho, continuasse a ter na consciência a juventude.
Chegando ao fim da música, a galera pulava alucinada. Pedia mais, mais e mais. A organizadora do evento, um festival de rock raro na cidade, deu um sinal, dizendo que poderiam tocar mais uma.
Quando estavam para começar, um grupo de policiais militares interrompe a festa e ordena que o equipamento de som seja desligado imediatamente. Empurrando, sem qualquer delicadeza, a platéia, eles vão até o palco, discutir com a organizadora:
- Mocinha, vocês estão importunando o sossego público.
Sem que eles vissem, um dos produtores do evento ligou uma câmera e a conectou no notebook.
- Não estamos não, senhor. Temos as licenças necessárias, o local é até afastado de outras residências...
- Uma moradora ligou 190 e reclamou.Um outro policial comentou:
- Se ainda fosse música que preste
A organizadora do evento fez uma careta e retruca:
- Os shows sertanejos, no centro da cidade, passam das duas da madruga e podem. O nosso festival no cú do mundo, às 11 da noite, com música controlada não? Independentemente do gosto musical do oficial ali, nós podemos e vamos continuar o show.
O policial agarra a garota pelo braço e a puxa com violência e em um tom agressivo diz:
- Olha aqui...
Antes que as coisas piorassem, o produtor saltou e gritou com sarcasmo:
- Olá, senhor policial. Diga um oi para toda as pessoas conectadas ao nosso blog agora. O senhor está sendo filmado.
Outro policial fez um movimento em direção à câmera, com ímpeto de quebrá-la, mas um terceiro PM o detém e com um sinal com a cabeça chama os companheiros para a saída. A galera vaia os garantidores da ordem.
Depois que os policiais saem, surge um silêncio constrangedor. Um ou outro começa a se dirigir a saída. Alguém no palco murmura que era melhor não continuar, para não arrumar mais confusão. A garota que enfrentou os policiais comenta com o produtor:
- Acho que isso esfriou a festa. O festival vai terminar como um fiasco.
O guitarrista estava explodindo por dentro. Acessava sites de esquerda na internet, lia Marx, Lênin, vibrava com as greves na Grécia e os discursos do Chávez na TV. Nunca enfrentou, entretanto, a polícia. Não havia DCE ou CA na sua faculdade. Nunca agiu em prol daquilo que acreditava e via que, naquele instante, aquilo podia mudar e, para melhorar, usando sua melhor arma: a música.
Fez um sinal, pedindo o volume máximo do som. Pegou o microfone e começou a falar:
- Amigos, poucas vezes temos oportunidades como essa.  Vivemos em uma sociedade produtora de marginalizações, preconceitos e pobreza, material e de espírito. Uma sociedade capitalista, opressora, que silencia vozes e canções. Só que na maioria das vezes, essa sociedade opressora faz isso de maneira velada, não dando oportunidades para expressar nossa música, nos rotulando de “noiados”, “drogados”, “vagabundos” e quando reagimos, dizem que é paranóia da nossa cabeça, que existem momentos para nos apresentarmos, que a vontade da maioria prevalece... Algumas vezes, no entanto, eles mostram sua verdadeira cara. Hoje, aquela meia dúzia de policiais despreparados tentou nos intimidar. É hora de responder, companheiros. É hora de mostrar o quanto a juventude pode ser rebelde. É a forma de fazer isso é fazer desse festival um sucesso!
A galera gritava animada. A organizadora do evento batia palmas.
- Em homenagem a esse festival e ao mundo diferente que construiremos, quero tocar com a banda Charagua, de um revolucionário chileno, que com sua voz e violão fez o que fazemos aqui, tocou e cantou as mazelas desse mundo e homenageou o mundo novo que vamos construir.
Com o ritmo do rock, eles tocam a música do cantor chileno. Apesar de instrumental e com uma batida mais suave que as canções interpretadas até então, a apresentação agradou e o festival continuou.
Já fora do palco, o guitarrista é abraçado e saudado pelos produtores do evento e em especial pela garota responsável pela organização do evento:
- Victor, você foi demais! Eu achei que o festival já era, que tinha virado merda. O pessoal já tava pronto para ir embora e não saiu ninguém depois daquele discursão á lá Che Guevera.
- Você também tocou o terror, Joana.
Os dois vão para o meio do público, entre beijos e embalados por um pop rock. Dali em diante, fariam muita coisa, seriam muita coisa.
Victor pensou, antes de apagar todos os pensamentos que não fossem voltados para Joana, que aquele dia talvez seria lembrado como o mais importante da sua vida. 

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